*Álvaro José Silva
O público sai em silêncio do cinema. Muitos choram durante a exibição da “película”, como se dizia antes. E o filme é delicado até onde foi possível fazer isso. Mostra que uma ditadura sanguinária destrói famílias e projetos de vida, como aconteceu com os Paiva e incontáveis outros brasileiros. Não são mostradas torturas físicas, sangue escorrendo, discursos de “Abaixo a ditadura” e outros clichês, embora isso estivesse à mesa. As imagens de Rubens Paiva morrendo depois de ter sido selvagemente torturado poderiam ter sido feitas, pois ele foi visto agonizando na cela da instalação militar onde foi supliciado, no Rio de Janeiro. Mas não. Todos, calados e chocados são levados a imaginar o que aconteceu. E é fácil!
O Brasil matou incontáveis de seus cidadãos com requintes de selvageria. Stuart Edgar Angel Jones, filho da estilista Zuzu Angel, foi morto sob torturas horríveis em instalação militar também do Rio. A mãe, que buscava respostas e denunciava o fato internacionalmente porque Stuart era filho de norte-americano, acabou morrendo num “acidente” de automóvel. Vladimir Herzog, o Vlado, jornalista de São Paulo, sofreu o mesmo destino que teria o operário Manoel Fiel Filho cerca de um ano depois e no mesmo lugar. São apenas esses poucos os exemplos que dou.
“Autopsia do medo”, livro de Percival de Sousa conta a história do delegado Sérgio Paranhos Fleury, torturador psicopata que um dia chegou à sua delegacia e encontrou seus ajudantes em pânico. Na busca por um “subversivo” eles se enganaram, prenderam um pobre bancário e o destruíram de pancadas antes de descobrirem o erro. “Onde está o sujeito?”, perguntou Fleury. Os detetives indicaram a cela. O delegado foi até lá, matou o inocente com um tiro na cabeça e mandou jogarem o corpo dele no Rio Tietê com instruções para que os “subversivos” fossem acusados quando o corpo do pobre rapaz fosse encontrado. Eu me inspirei nesse livro e em outros para escrever meu romance “O faxineiro”, ambientado na época da ditadura.
A grandiosidade de “Ainda estou aqui” reside no fato de ele não mostrar nada desse gênero de forma explícita ao contar a história do ex-deputado Rubens Paiva. Mas todos imaginam o que se ou com a família de Eunice Paiva, mulher forte e que levou adiante sua vida com cinco filhos, sem jamais chorar e se lamentar ao público. Viveu para que o único homem que gerou, Marcelo Rubens Paiva, pudesse se tornar escritor para denunciar esses tempos de noite fechada do Brasil.
O que mais impressiona é saber que milhares dos que vão aos cinemas ver o filme, sobretudo os jovens, sequer imaginam o que aconteceu no Brasil entre 1964 e 1985. É bom que saibam agora. Bom mesmo e sobretudo porque as hienas da extrema direita tentam voltar, como tentaram em 08 de janeiro de 2023. Fiquem atentos vocês que saem dos cinemas chorando ou calados, sem vontade de falar. O preço dessa nossa liberdade, a que temos desde 1985, é a eterna vigilância.
*Álvaro José Silva é jornalista e escritor, membro da Academia Espirito-Santense de Letras