O novo “babado” que mistura política e religião no Brasil, e é pura nitroglicerina na polarização que tem abalado as estruturas sociais, aconteceu, quem diria, no Espírito Santo, numa de suas regiões mais bolsonaristas.
Os fieis de uma paróquia de Castelo, no Sul do Estado, estão proibidos de transmitir pelas redes sociais a reza do rosário, acompanhando o Frei Gilson, novo religioso influencer da igreja brasileira.
Nas últimas semanas, “explodiu” na web o padre paulistano que reuniu multidões na reza do rosário de madrugada, superando em muito as mobilizações do “coach” Pablo Marçal na era que antecedeu à sua candidatura a Presidente da República, barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2022, mas que incomodou em 2024 na disputa pela Prefeitura de São Paulo.
E, para os apressadinhos que quiserem fazer ilações, Frei Gilson, atuante nas redes sociais, não é o substituto da figura folclórica do “Padre Kelmon”, que foi plantado nas eleições presidenciais de 2022 para servir de escada para Jair Bolsonaro nos debates. Apesar de Padre Kelmon ter manifestado apoio ao religioso.
Uma fonte deste jornal, estudante das estruturas do catolicismo romano, fez uma avaliação do personagem Frei Gilson, sob condição de reserva:
“Ele é uma expressão da renovação carismática, conservadora, é bolsonarista, que sabe usar muito bem as redes sociais e a internet para mobilizar milhões. É conservador, moralista, fundamentalista, daquele pessoal do padre Marcelo Rossi. Ele ficou muito famoso ao mobilizar 1,4 milhão de pessoas para o rosário às quatro da manhã na quarta-feira de cinzas. É fenômeno, só perde para o Cazé. Isso chamou muita atenção e também as declarações que deu com leitura fundamentalista do Antigo Testamento, sem fazer exegese. Ele desperta a tensão que existe na igreja entre o pessoal mais progressista e o os da renovação carismática”
De acordo com O Globo, o Frei Gilson, conhecido por suas pregações e transmissões ao vivo para milhões de fiéis católicos, teve uma mudança drástica em seu canal do YouTube nas últimas duas semanas.
Segundo a Social Blade, site que monitora métricas de redes sociais, o religioso apagou ou tornou privados 1,4 mil vídeos recentemente. A remoção ocorreu logo após o frei se tornar alvo de críticas de setores da esquerda. As exclusões ocorreram desde sexta-feira (14) até a última segunda-feira (16).

LEONEL XIMENES
Quem revelou detalhes desse novo “babado” político-religioso envolvendo a paróquia sul capixaba foi o colunista Leonel Ximenes, em A Gazeta, nesta quarta-feira (19), cujo texto transcrevemos abaixo.
Atacado pelos progressistas, apoiado pelos conservadores, o agora famoso Frei Gilson está causando polêmica até em uma paróquia no interior do Espírito Santo. A disputa, que já se tornou pública com a circulação de áudios em grupos, opõe fiéis católicos da comunidade Santa Rita de Cássia contra o bispo de Cachoeiro e o pároco local. Aos fatos.
Tudo começou com a transmissão ao vivo, pelas redes sociais da comunidade, do rosário do frade católico, na madrugada, que foi acompanhada por mais de 1 milhão de pessoas pela internet.
Mas aconteceu que o pároco da Paróquia Nossa Senhora da Penha, à qual a comunidade Santa Rita é subordinada, frei Antônio Rabanal, proibiu que os próximos rosários com o frei Gilson fossem transmitidos pelas redes sociais da igreja Santa Rita, o que acabou revoltando um grupo de fiéis.
Em um áudio ao qual a coluna teve o, uma moradora (não identificada) reclama da proibição e chega a acusar o bispo de Cachoeiro, dom Luiz Fernando Lisboa, de ter dado a ordem pela proibição da transmissão do terço do frei Gilson.
“Simplesmente, o nosso bispo nos proibiu de transmitir e rezar o rosário da madrugada com o frei Gilson. Nós demos o aviso (da realização do rosário] aqui na Santa Rita e o pároco mandou esse retorno do bispo nos proibindo de rezar dentro da igreja o rosário”, relatou.
Em tom de desafio, a mulher, no áudio, prossegue e avisa que o rosário com o frei Gilson vai continuar a ser rezado, mas de outra forma.
“Nós vamos rezar sábado que vem do mesmo jeito, porém do lado de fora. Vamos botar telão, vamos botar carro de som e vamos motivar todo o nosso povo. Esse bispo não pode fazer isso o que ele está fazendo com a gente. Já chega os cristãos que estão morrendo mundo afora. Será que vai começar a acontecer isso aqui com a gente também?”, disse a fiel.
A RESPOSTA DA DIOCESE
A coluna indagou à assessoria da Diocese de Cachoeiro se realmente o bispo tinha proibido a transmissão ao vivo do rosário do frei Gilson dentro da igreja de Santa Rita. A assessoria afirmou que o bispo estava viajando, mas adiantou que em momento algum ele soube desse episódio e que não partiu dele a proibição.
A assessoria da diocese enviou à coluna um outro áudio, enviado pelo frei Antônio Rabanal aos seus paroquianos, que dá a sua versão para o fato. Segundo o pároco responsável pela Santa Rita, dom Luiz não proibiu a reza do rosário na igreja de Santa Rita de Cássia.
O próprio pároco assume que partiu dele a proibição. “Quero falar qual é a realidade. Não foi o bispo quem proibiu. Quem pediu para parar de rezar o rosário às quatro da manhã, sendo transmitido pelas redes sociais, foi frei Antônio.” A seguir o frade justifica a proibição.
“Porque tudo que leva à divisão vai contra a Igreja e contra Jesus Cristo. O problema não é rezar com o frei… (esquece o nome do frei Gilson). O problema é colocar vídeo nas redes sociais. Façam como queiram, mas não coloquem nas redes sociais”, adverte o frei Antônio Rabanal, frade espanhol da Ordem dos Agostinianos Recoletos.
No áudio, o pároco também afirma que frei Gilson provoca divisão na Igreja: “Muita gente está contra esse frei, ele tem coisas maravilhosas, mas também tem alguma coisa que entra em conflito com as decisões do Vaticano”.
“Eu não sou contra que se reze o rosário. Tomara que rezássemos os rosários todos os dias em um monte de horas. Perfeito, maravilhoso, mas agora, sou contra aquilo que pode criar divisão e conflito para a paróquia, para a Igreja, para a sociedade, para a diocese. O pecado não foi rezar, o pecado foi colocar no Instagram”
Frei Antônio Rabanal
Pároco responsável pela comunidade de Santa Rita de Cássia, em Castelo
QUEM É FREI GILSON
Fenômeno da internet e nas redes sociais, frei Gilson, de 38 anos, tornou-se um dos assuntos mais comentados nos últimos dias. O líder religioso é protagonista de um embate que envolve cristãos, bolsonaristas e o campo da esquerda.
Membro da congregação Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo, o frade tem reunido fiéis em transmissões ao vivo, realizadas durante as madrugadas, para rezar ao longo da Quaresma, período de penitência e reflexão que antecede a Páscoa.
A fama veio acompanhada de polêmicas. Internautas têm resgatado declarações polêmicas feitas pelo frade, que afirmou que as mulheres foram criadas para “curar a solidão do homem”; Ele também pediu que “os erros da Rússia” não assolassem o Brasil (em uma referência ao comunismo).
Nascido na cidade de São Paulo, Gilson da Silva Pupo Azevedo começou a tocar violão aos 14 anos e aos 18 entrou para a vida religiosa, sendo ordenado sacerdote em dezembro de 2013.
Em março do ano seguinte, assumiu a função de pároco da Paróquia Nossa Senhora do Carmo em Santo Amaro, na zona sul da capital paulista.
O frade faz parte da congregação Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo, um ramo da família da Ordem Carmelita, que prega votos de pobreza, castidade e obediência.
Na congregação, frei Gilson lidera o Ministério de Música “Som do Monte”, um grupo de louvor. Cantor, ele acumula cerca de 1,5 milhão de ouvintes mensais no Spotify. Com perfil ativo nas principais redes sociais, o religioso acumula mais de 18 milhões de seguidores.
O nome dele aparece no relatório da Polícia Federal (PF) que investigou a tentativa de golpe de Estado envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados.
No documento apresentado em novembro ado, a PF diz que o frade teria recebido a “oração do golpe” feita pelo padre José Eduardo de Oliveira e Silva, de Osasco (SP).
Embora seja um dos 36 indiciados no caso pela PF, o padre José Eduardo não foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Por sua vez, frei Gilson não foi indiciado pela PF, nem denunciado pela PGR.
(Da Redação com Leonel Ximenes)
Foto da Capa: Divulgação @FreiGilsonCMES
